sexta-feira, 20 de junho de 2014

Para Clara



Algumas coisas vão mudar aqui no blog. Por um tempo, mas vão mudar.

Um dia a Clara me perguntou sobre literatura paraense, sobre os livros e autores que daqui escrevem, e se eu poderia enviar alguma coisa para ela, no Rio de Janeiro. Ela é carioca, mas a mãe e a avó são paraenses, então a Clara acaba sendo meio paraense, eu diria.

Fiquei levemente constrangida com a pergunta, porque não, eu não conhecia esses autores, essas obras, mas principalmente, eu não conhecia essa escritura. Uma escritura que também faz parte de mim, que me pertence e a qual eu também pertenço.

Chegou a hora de olhar no espelho.
É isso o que vai acontecer aqui por um tempo.
Um encontro.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Azul é a cor mais quente, Julie Maroh



E lá vou eu falar da HQ mais comentada do momento. Me tranquei na geladeira para não ver o filme antes que minha edição chegasse, fugi de algumas críticas e acho que posso dizer que cheguei a ela livre do monstro da expectativa.

Enquanto capturava algumas informações na internet sobre a autora fiquei bem chocada e envergonhada quando descobri que ela publicou a graphic novel com 26 anos, que aos 19 já estava escrevendo e que ela nasceu em 1985 (como se não bastasse sou um ano mais velha e ainda não fiz nada de muito relevante nessa vida).

Achei bem digno ela agora, aos 28 anos (vou parar de falar de idade, prometo), vir a público dizer que vê todos os defeitos na obra, embora eu não veja nada disso e tenha ficado com aqueles traços bailando pela minha mente por dias.

E gostei muito dos traços, das cores e da técnica de colorir (seja qual for). São elementos que se completam e compõem uma melodia triste que realmente remete à memória e a algo que já não existe mais.

Isso porque a HQ conta a vida de Clementine, sua adolescência e descoberta sexual, suas escolhas e amadurecimento, mas chegamos à Clementine através dos diários que ela deixou para Emma ler. Então sim, é através da dor e da lembrança de Emma que conhecemos a história das duas, e a HQ inteira é pintada com cores frias e quando o azul aparece é bonito, poético, mas triste ainda assim.

Julie Maroh é ativista pelos direitos dos homossexuais, mas eu só sei disso porque li no site da editora Martins Fontes, porque a história que ela conta é a de uma garota que está descobrindo quem é. Que sofre muito por suas opções homossexuais, sim. E esse é o tema da HQ, sim também. Mas aqui temos a história da vida de uma personagem, com todo o conflito, erros, acertos, dramas e alegrias que lhe cabem enquanto ficção e que representam bem o drama humano de existir em um mundo cheio de gente.

E só para que esse texto não fique muito parcial, digo que não gostei muito do nariz da Clémentine. Achei meio feio e batatudo, assim, meio parecido com o meu. 



“Por que eu teria vergonha de amar?”
<3
 



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

On the road, Jack Kerouac



Em abril de 1951, entorpecido por benzedrina e café, inspirado pelo jazz e em uma América dura e recém-saída do pós II guerra, Jack Kerouac escreveu em três semanas o que viria a ser On the road, o livro que teve tanta importância e influenciou tantos artistas a abraçarem seus chamados e encontrarem suas vozes que se tornou  uma obra mito da literatura ocidental.

Parece que estou exagerando?
Certo, Bob Dylan fugiu de casa após ler o livro; Babenco também; Jim Morrison fundou The Doors; a obra do Bukowski tem muito da influência do livro, assim como as de Wim Wenders (e olha que eu já poderia parar por aqui), Lou Reed, Tom Wolfe e Gus Van Sant, só para citar alguns.

Mas o mito que envolve o livro acaba não sendo apenas o histórico. Existem muitas coisas que não foram ditas, e outras ditas em demasia, e grande parte delas tem o próprio Kerouac como responsável. Talvez o maior mito seja sobre ter passado sete anos na estrada e ter escrito o livro em três semanas.

A questão é que On the road  foi mesmo escrito em três semanas, três loucas semanas em que Jack datilografava 12 mil palavras 14 horas por dia no famoso rolo de papel para telex com 40 metros de comprimento, em espaço 1 e sem parágrafo. Só que o livro passou anos para ser publicado, e quando digo anos, quero dizer seis longos e desesperados anos (Kerouac, em uma carta no final de 1956, ameaçava abandonar “essa história de romances épicos e tentar concentrar meu talento – se é que tenho algum – no que quer que não seja escrever”) E enquanto o livro ia sendo rejeitado por todas as editoras que recebiam o material, Kerouac foi reescrevendo o texto, e ele fez isso várias vezes. E quando o livro foi finalmente aceito Kerouac foi forçado a suprimir 120 páginas. Depois, seu editor cortou mais algumas e também acrescentou “as milhares de vírgulas inúteis” que o indignaram profundamente. Eduardo Bueno, o tradutor da versão brasileira, chega a dizer que a famosa “prosa espontânea” praticamente inexiste em On the road. (Hoje faz muito mais sentido aquela edição de capa branca que a própria L&PM lançou em 2011, com o texto original, retirado do próprio rolo de telex e com os verdadeiros nomes dos personagens – é claro que você sabe disso, mas vou dizer de novo porque não canso, Carlo Marx é...Allen Ginsberg, meu poeta preferido, acho).

O livro, dividido em cinco capítulos, fala das quatro viagens que Sal Paradise fez ao lado do eternizado Dean Moriarty a partir da, tão eterna quando o próprio livro, Rota 66. Muitas vezes de carona, mas quase sempre em um carro velho e descompensado, lá iam eles encontrando todos os tipos de pessoas, ouvindo histórias, parando em inúmeros bares, encontrando mulheres e entorpecentes, e tudo isso geralmente num mesmo parágrafo.

E o bom é que para além de toda edição, o ritmo frenético daquela escrita me saltou aos ouvidos. E isso é realmente bom, porque era o que Kerouac queria. On the road é para ser lido em voz alta e em inglês, para que suas frases cheias de vogais rimem loucamente como um poema desvairado. Muito dessa energia se perdeu nas revisões e um pouco mais na tradução, mas não toda, e é possível sentir no texto a ansiedade de Sal e sua busca pelo “algo” que marcou sua geração.

Um “algo” que ele descreve bem quando encontra uma garota num ônibus a caminho de Detroit. “O que estamos todos loucos para fazer? O que queremos? Ela não sabia. Bocejou. Estava com sono. Era demais. Ela jamais compreenderia. Ninguém poderia lhe explicar. Estava tudo acabado. Tinha dezoito anos, era quase encantadora, e estava perdida”.

Porém, fico me perguntando se, já perto do final do livro, Sal começa a se cansar de Dean. Porque, sinceramente, eu me cansei. E toda essa ideia de busca, de vida e do chamado da estrada começou a soar como balela de um babaca que engravida mulheres e as abandona quando fica de saco cheio delas e de si mesmo.

Só que isso é uma droga! Porque On the road é um clássico e fez Bob Dylan decidir ser o que é, então pode ser, PODE SER, que tudo não passe de rabugice de alguém que está chegando aos 30 e perdeu um pouco a paciência. 

* Praticamente todas as informações citadas nesse texto serão encontradas por você na introdução escrita por Eduardo Bueno para a edição da L&PM. O que não estiver lá deve ter sido fruto da minha imaginação ou inteligência (difícil saber). 

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Mudança, Mo Yan



Mudança é basicamente a história da vida de Mo Yan, sua infância, a juventude no exército e a descoberta da escrita. Mas também é sobre He Zhiwu, um garoto grande e alto que aparentava ter uns 25 anos (mas tinha menos), e Lu Wenli a garota que sentava a seu lado, filha do homem que dirigia um caminhão Gaz 51 importado da União Soviética que habitou os sonhos dos dois garotos e se faz presente durante toda a narrativa.

É uma história que se quer simples, apenas uma pequena narração sobre algumas vidas que viveram na China comunista dos últimos trinta anos – mas, se a beleza mora na simplicidade, é na simplicidade da história de Mo Yan que se encontra parte da história de seu país.

Mas a escolha de 2012, da Academia Sueca provocou polêmica e declarações de artistas chineses bastante contrários e céticos em relação a postura política de Mo Yan. É difícil dizer e julgar qualquer coisa daqui, da minha confortável democracia, sobre o viver e o sobreviver em regimes ditatoriais. Mas penso que a polêmica em torno do Nobel do autor, joga luz sobre o que é Mudança.

O livro não é uma apologia a nada, é mais um caleidoscópio em tons de cinza acerca da vida na China comunista. Segundo Mo Yan, no prólogo do próprio livro, Mudança foi fruto do convite de um editor de Calcutá, feito em 2005, para que escrevesse sobre as “grandes transformações” ocorridas na China nas últimas três décadas. Mas, se existem “grandes transformações” no livro, elas estão desenhadas no que ocorreu com aquelas pessoas durante esse tempo, é a China através da vida de pessoas que viveram a China. 

Seria um livro de memórias, mas todos nós já estamos escolados demais nesse assunto, e o próprio autor pontua no decorrer de suas 125 páginas que, se houver algum desacordo com os fatos, a culpa só pode ser da memória – que está cheia de lembranças embaralhadas.  

Me imagine piscando e sorrindo para você e é assim que encerro esse texto ;)