Em abril de 1951, entorpecido por benzedrina e café,
inspirado pelo jazz e em uma América dura e recém-saída do pós II guerra, Jack
Kerouac escreveu em três semanas o que viria a ser On the road, o livro que teve tanta importância e influenciou
tantos artistas a abraçarem seus chamados e encontrarem suas vozes que se
tornou uma obra mito da literatura
ocidental.
Parece que estou exagerando?
Certo, Bob Dylan fugiu de casa após ler o livro; Babenco
também; Jim Morrison fundou The Doors;
a obra do Bukowski tem muito da influência do livro, assim como as de Wim
Wenders (e olha que eu já poderia parar por aqui), Lou Reed, Tom Wolfe e Gus
Van Sant, só para citar alguns.
Mas o mito que envolve o livro acaba não sendo apenas o
histórico. Existem muitas coisas que não foram ditas, e outras ditas em
demasia, e grande parte delas tem o próprio Kerouac como responsável. Talvez o
maior mito seja sobre ter passado sete anos na estrada e ter escrito o livro em
três semanas.
A questão é que On the
road foi mesmo escrito em três
semanas, três loucas semanas em que Jack datilografava 12 mil palavras 14 horas
por dia no famoso rolo de papel para telex com 40 metros de comprimento, em
espaço 1 e sem parágrafo. Só que o livro passou anos para ser publicado, e
quando digo anos, quero dizer seis longos e desesperados anos (Kerouac, em uma
carta no final de 1956, ameaçava abandonar “essa história de romances épicos e
tentar concentrar meu talento – se é que tenho algum – no que quer que não seja escrever”) E enquanto o livro
ia sendo rejeitado por todas as editoras que recebiam o material, Kerouac foi
reescrevendo o texto, e ele fez isso várias vezes. E quando o livro foi
finalmente aceito Kerouac foi forçado a suprimir 120 páginas. Depois, seu
editor cortou mais algumas e também acrescentou “as milhares de vírgulas
inúteis” que o indignaram profundamente. Eduardo Bueno, o tradutor da versão
brasileira, chega a dizer que a famosa “prosa espontânea” praticamente inexiste
em On the road. (Hoje faz muito mais
sentido aquela edição de capa branca que a própria L&PM lançou em 2011, com
o texto original, retirado do próprio rolo de telex e com os verdadeiros nomes
dos personagens – é claro que você sabe disso, mas vou dizer de novo porque não
canso, Carlo Marx é...Allen Ginsberg, meu poeta preferido, acho).
O livro, dividido em cinco capítulos, fala das quatro viagens
que Sal Paradise fez ao lado do eternizado Dean Moriarty a partir da, tão
eterna quando o próprio livro, Rota 66. Muitas vezes de carona, mas quase
sempre em um carro velho e descompensado, lá iam eles encontrando todos os
tipos de pessoas, ouvindo histórias, parando em inúmeros bares, encontrando
mulheres e entorpecentes, e tudo isso geralmente num mesmo parágrafo.
E o bom é que para além de toda edição, o ritmo frenético
daquela escrita me saltou aos ouvidos. E isso é realmente bom, porque era o que
Kerouac queria. On the road é para
ser lido em voz alta e em inglês, para que suas frases cheias de vogais rimem
loucamente como um poema desvairado. Muito dessa energia se perdeu nas revisões
e um pouco mais na tradução, mas não toda, e é possível sentir no texto a
ansiedade de Sal e sua busca pelo “algo” que marcou sua geração.
Um “algo” que ele descreve bem quando encontra uma garota num
ônibus a caminho de Detroit. “O que estamos todos loucos para fazer? O que
queremos? Ela não sabia. Bocejou. Estava com sono. Era demais. Ela jamais
compreenderia. Ninguém poderia lhe explicar. Estava tudo acabado. Tinha dezoito
anos, era quase encantadora, e estava perdida”.
Porém, fico me perguntando se, já perto do final do livro,
Sal começa a se cansar de Dean. Porque, sinceramente, eu me cansei. E toda essa
ideia de busca, de vida e do chamado da estrada começou a soar como balela de
um babaca que engravida mulheres e as abandona quando fica de saco cheio delas
e de si mesmo.
Só que isso é uma droga! Porque On the road é um clássico e fez Bob Dylan decidir ser o que é,
então pode ser, PODE SER, que tudo não passe de rabugice de alguém que está
chegando aos 30 e perdeu um pouco a paciência.
* Praticamente todas as informações citadas
nesse texto serão encontradas por você na introdução escrita por Eduardo Bueno
para a edição da L&PM. O que não estiver lá deve ter sido fruto da minha
imaginação ou inteligência (difícil saber).